“Até hoje fui sempre futuro”

Ana Pinto, Escola Superior de Comunicação Social

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Duas produtoras de cinema em início de carreira, um aspirante ao mundo da moda e um par de amigos no primeiro ano de licenciatura. Não se trata da introdução de uma anedota, mas de um grupo de jovens entre os 18 e os 26 anos, com diferentes perfis e ambições, convidados a refletir sobre a questão “Sentes-te livre?”.

O conceito de liberdade é intrínseco às sociedades ocidentais contemporâneas, constando como direito fundamental em documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Considera-se a liberdade como essencial à boa existência, e indispensável que cada indivíduo possua a liberdade de existir de forma autodeterminada. Parece que vivemos assegurados de que somos livres, e que conquistámos a liberdade. No entanto, não há dúvida de que as conjunturas políticas, económicas e sociais da atualidade nos limitam diariamente, de formas sobre as quais não temos controlo.

Os entrevistados fazem parte da geração que se torna adulta num mundo onde toda a terra pertence a alguém, todas as vagas foram já preenchidas e todos os conceitos definidos. Para esta geração, a liberdade é substituída por um dia-a-dia de adaptações, de segundas opções e mensagens de que chegar ao inalcançável cabe apenas a eles próprios.

Esta é a geração que falhou antes de começar. 

Salário em Contactos

Mariana Morais e Beatriz Reis conheceram-se durante a licenciatura em Cinema, na Escola Superior de Teatro e Cinema. Deste encontro nasceu uma amizade propiciada por semelhanças como o amor pelo cinema musical, o entusiasmo pela astrologia e o encontro de uma vocação na produção cinematográfica. Agora, após terminarem o curso, trabalham como freelancers, e lamentam que a precariedade e falta de oportunidade profissional característicos do contexto nacional onde se inserem não lhes permita cumprir o objetivo de criar independência financeira e pessoal.

“Portugal, o que eu sinto que faz é que não te dá carta branca para poderes trabalhar livremente e receberes de acordo com o teu trabalho.”, diz Beatriz, “Tens sempre uma ânsia de querer corresponder muito. É agora que eu vou conseguir ser merecedora deste salário? Quando é que eu vou conseguir ter um aumento? Quando é que vou conseguir sequer receber um ordenado? Será que já tenho experiência suficiente? Nunca sabes, porque estão sempre a exigir muito, ou simplesmente a aproveitar-se de ti. Eu já estive um ano sem receber nada e a trabalhar.”. Mariana acrescenta: “Você tem de se conformar em trabalhar pelos contactos, em vez de pelo dinheiro e pelos contactos, como se fosse a mesma coisa.”

“Talvez o que me tenha deixado mais ansiosa foi perceber que afinal não queria Portugal.”, relembra Beatriz, “Eu ando inconscientemente à procura de coisas que me façam viver essa expectativa que tenho.”

Mariana partilha a ambição de emigrar, e vê como destino o fértil mercado cinematográfico inglês. “[Na Inglaterra] Eles estão fazendo um trabalho, já sabem quando vai ser o próximo, então têm uma noção de segurança muito maior do que aqui. É um trabalho que a gente sabe que vai exigir muitas horas da nossa vida pessoal, mas pelo menos [sabem] que esse tempo vai ser valorizado, respeitado e pago.”. Beatriz remata: “Aqui não há nenhuma possibilidade disso.”

Viajar, por lazer e necessidade

Ao terminar o ensino obrigatório, Bruno Silva não possuía os meios financeiros necessários à progressão dos seus estudos. Começou a trabalhar com 18 anos e, desde então, passou por uma série de experiências profissionais, em Portugal e na Alemanha. Fez o caminho do Porto para Lisboa, onde vive e trabalha atualmente como vendedor de roupa a retalho. O seu sonho é trabalhar na indústria da moda, mas a sua ambição pertence não a um shopping, mas aos grandes mercados internacionais de Paris e Milão.

“Já me afetou muito mais estar a pensar: ‘Queria mesmo um curso superior. Ai, não vou ser ninguém!’, mas também sinto que, comparado aos meus amigos que estão a estudar, a perspetiva de futuro [deles] é exatamente igual à minha.”

Em contrapartida à independência e ritmo que encontra na capital, está uma vida de trabalhar para viver, e uma relação salário-custo de vida que não lhe permite fazer coisas como poupar dinheiro, continuar a sua educação ou viajar. “Uma pessoa que está a trabalhar em retalho na Alemanha viaja, e não há nada melhor para ganhares experiência de vida.”, reflete Bruno. “Quero juntar dinheiro para ir ao Brasil. Sentei-me na mesa, [com] um caderninho e uma calculadora [a ver] quanto poderia tirar por mês. Não ia conseguir comer.”

“Não vejo Portugal no caminho, seja a fazer o que for.”, afirma. “Eu vou, provavelmente, fazer uma vida que estou a fazer aqui, mas como vou ter outras oportunidades [salariais], a vida vai ser completamente diferente.”

Paixão, Profissão

Francisco Malva e Diana Marta vivem em Coimbra. Amigos desde o ensino secundário, foi nesta cidade que decidiram prosseguir estudos superiores, ambos frequentando o primeiro ano das suas respectivas licenciaturas.

Francisco persegue uma antiga paixão, a Engenharia Informática. Frequenta um curso tipicamente associado a boas saídas profissionais, mas encontra um dilema na potencial profissionalização da sua vocação. “Não sei se fazer isto como trabalho me vai tirar o gosto por esta área, que é algo que eu sempre tive.”, diz, “Estou um bocado renitente.”

O caso de Diana é outro. “Estar no curso de Sociologia foi por ser conveniente.”, confessa. A sua paixão é a música, mas não vê possibilidades de prosseguir esta área formalmente. “Os meus avós não foram para a universidade. O meu pai foi, mas acabou por desistir, e a minha mãe nunca teve essa oportunidade. É visto como ‘estás num curso superior, tens um futuro à tua frente’, mas há um à parte: tenho de estar num curso que me dê ‘um futuro’.”

Com 18 e 19 anos respetivamente, Francisco e Diana, já sentem a pressão de ter como prioridade a construção de percursos que levem ao sucesso financeiro. Ao refletir sobre o que gostariam de fazer neste momento, Diana responde: “Eu provavelmente viajava. Se não houvesse nenhuma consequência em fazer música, em termos financeiros, eu faria.”. “Se pudesse, se não houvesse mesmo problema nenhum, [queria] só um ano para descansar. Só o stress de andar num curso… Eu sinto-me a descair.”, desabafa Francisco.

Um sentido complexo de liberdade

“Não consigo determinar o que é a minha vida.”, admite Bruno, “Consegues ser uma pessoa determinada. Não consegues seguir sem grandes percalços. É mesmo saberes que, seja um pequeno ou um grande, não vais conseguir.”

“Não, não me sinto livre, mas sou grata pela liberdade que tive até agora.”, repara Beatriz, “Sei que se não tivesse um certo apoio, não conseguiria fazer as coisas que queria. Não me sinto livre, mas a liberdade que já tive, quase que me sinto em dívida para com ela.”

“Eu diria que a nossa liberdade é um bocadinho uma liberdade condicional”, diz Francisco, “É uma liberdade restrita. Somos obrigados a fazer certas escolhas, porque senão não temos sucesso. Não permitem que nós façamos aquelas escolhas que queremos mesmo.”