Os programas de Discos Pedidos são a alma das rádios locais e regionais em Portugal. Todos os dias a programação destas rádios preenche-se de várias horas de emissão dedicadas às escolhas de quem ouve. Há ouvintes de todas as faixas etárias e de todas as profissões. O que os move é a companhia, a conversa, o sentido de pertença e a vontade de contribuir para a emissão.
Era quase noite quando chegámos à Rádio Caria. Embora fossem apenas 17h, o sol já se escondia na encosta da serra, fruto dos curtos dias de outono. Numa localidade pequena, onde existe apenas uma rua principal, o edifício da Rádio Caria marca o início ou o fim da aldeia. Nas instalações caiadas de branco, o locutor Hélder Figueira estava à nossa espera.
Da porta para dentro até à chegada ao estúdio, Hélder fez-nos uma visita guiada ao espaço da rádio. O eco dos corredores e as relíquias que marcaram em tempos a forma de fazer rádio, como uma antiga mesa de som e um velho transístor, contrastam com a boa sonorização do estúdio e com as tecnologias mais avançadas que a rádio possui hoje.
A Rádio Caria pertence ao concelho de Belmonte e pode ser ouvida na frequência 102.5 FM, bem como em qualquer plataforma online. Antes do início do seu processo de legalização, em 1988, a rádio era conhecida por “Rádio Toca da Moura”. No início da década de 90 começaram as emissões oficiais 14 horas por dia. Nos dias de hoje, a Rádio Caria mantém uma emissão de 24h e conta com a presença de dois animadores. O ponto alto da emissão desta rádio são os blocos de Discos Pedidos.
Uma rádio que ouve
Devido à situação pandémica, Hélder era o único locutor a assegurar a emissão no dia da visita à rádio, apesar de noutros horários esta ser levada a cabo por outro profissional. Antes de iniciar a conversa, Hélder confessou-nos que a produção musical da emissora é realizada na própria casa do locutor.
Áudio: “A produção da rádio assenta toda ela na minha casa”
Embora o trabalho de uma rádio possa à partida parecer um trabalho criativo e dinâmico, Hélder considera que o seu trabalho, por vezes, pode ser rotineiro. “Fazer rádio não se gosta mais ou menos: ou se gosta ou não gosta. Não há meio termo”, garante. “O meu dia a dia é a interação com os ouvintes, sou o psicólogo de muita gente”.
Áudio: “Desta porta para dentro não há problemas nem pode haver”
Hélder Figueira começou por trabalhar na Rádio Jornal do Fundão, passando pela Rádio Clube da Covilhã, pela Rádio Capital (atualmente rádio MEO Sudoeste), pela Rádio Cidade, acabando por regressar à sua terra natal, onde há 20 anos assegura as emissões da Rádio Caria.
A Rádio Caria, na Covilhã, é uma das rádios regionais mais reconhecidas pelo seu programa de Discos Pedidos. Todos os dias, das 11h às 12h e das 17h às 20h, o animador Hélder Figueira contagia os ouvintes com a sua boa disposição e transmite as músicas mais desejadas pelos ouvintes da região.
Discos Pedidos
Os Discos Pedidos são um formato de programa radiofónico que consiste na participação dos ouvintes no programa, através da escolha de uma música. Este é um tipo de programa que preenche, sobretudo, as grelhas das rádios locais e regionais, e representa uma forma de aproximação entre o radialista e quem o ouve. A interação que se estabelece entre estes dois elementos resulta numa forte proximidade, estabelecendo-se uma relação quase familiar.
O público dos Discos Pedidos é muito fiel e vê o animador da antena como alguém com quem pode contar, confiar e partilhar todos os seus estados de espírito. Os Discos Pedidos funcionam como uma espécie de remédio, companhia e aconchego.
De acordo com Inês Honorato, tendo por base a sua dissertação “Discos pedidos: As motivações da audiência”, os programas de Discos Pedidos, tal e qual como os imaginamos, entendemos ou concebemos, surgiram aquando do aparecimento do telefone. Porém, a sua lógica e a essência já existiam, mesmo antes de esta tecnologia aparecer. É certo que a finalidade não era a mesma, já que as rádios ainda não pensavam neste tipo de programas, mas a verdade é que ela veio a revelar-se uma forte aposta de programação radiofónica.
Numa primeira fase, “não existia a participação direta dos ouvintes no programa”, como refere Inês Honorato. Os ouvintes enviavam cartas para as rádios pedindo a música que gostavam de ouvir e, posteriormente, essas canções acabavam por ser transmitidas.
Quando surgiram os telefones e se deu a sua vulgarização, os ouvintes passaram a ter mais uma forma de participar nos programas de rádio que escutavam. Assim, nessa época, as estações de rádio perceberam que o ideal era aliar a vontade de participação dos ouvintes à nova tecnologia surgindo assim os programas conhecidos como Discos Pedidos.
Hoje em dia, com a banalização do telefone, das mensagens e com o apogeu das redes sociais, são já vários os meios que os ouvintes podem utilizar para participar neste tipo de programas.
Rádio local, ouvintes locais
A relação de Hélder com os ouvintes já é longa. Exemplo disso é Rosa Soares, ouvinte fiel da Rádio Caria. O espaço preferido de Rosa são os blocos de Discos Pedidos para onde costuma ligar, não só para conversar com Hélder, mas também para pedir uma canção. Rosa Soares é ouvinte assídua da emissora de Caria, um hábito que surgiu na infância.
Áudio: Uma tradição que passou dos pais para a filha
A ouvinte ressalva que a emissora de Caria é uma companhia diária e que a relação do locutor com os ouvintes é muito próxima.
Áudio: “O Hélder anima a malta”
Os ouvintes são quem melhor conhece a importância das rádios locais, são eles que valorizam a companhia que estas lhes prestam. Porém, estas não são valorizadas por todos. É com “mágoa” que Hélder Figueira nota que em muitos lugares públicos preferem ter a rádio sintonizada em emissoras nacionais. “Nós enquanto rádios locais lutamos pelo bem estar da sociedade, temos noção do nosso papel formativo e muitas vezes a sociedade dá-nos com a porta”, lamenta.
Áudio: Hélder Figueira considera que as rádios locais não são valorizadas
Embora portador de um problema de visão, Hélder supera todos os dias as suas dificuldades, percorrendo um sonho e conquistando novas metas. Aquilo que perdeu em visão, ganhou em audição, sempre na companhia de quem fielmente o ouve.