Em março de 2020 toda a normalidade se desvaneceu. A COVID-19 esvaziou salas e desocupou computadores, arrefeceu o calor que os humanos ligava e trouxe consigo toda uma era em que o verbo “conviver” se conjugava no pretérito imperfeito da desconexão. “Longe, mas perto”: se outrora era poesia, nos dois últimos anos foi assim que tudo se fez. O mundo viveu sob a lei da reinvenção e o ensino não escapou à regra. Nas universidades, foi o Zoom que ligou alunos e professores. Poderia ter sido outra, mas por entre uma constelação de plataformas candidatas, foi o Zoom quem mais brilhou.
Conhecida para alguns e estranha para muitos: foi a plataforma Zoom que encurtou toda a distância a que a COVID-19 obrigou. Para quem com o Zoom nunca tenha convivido, este é um serviço (o termo “gratuito” abrange reuniões contínuas de 40 minutos) que oferece uma combinação entre conferências remotas, chat (ou ‘bate-papo’) e colaboração móvel, numa única plataforma, a todos os seus utilizadores. Numa pandemia em que “confinar” foi a palavra chave, desconectados do que fora da janela de nossas casas se passava, foi na do Zoom que tudo aconteceu. No ensino superior, todo o trabalho foi posto em pausa requerendo um ‘período zero’, como referiu Ricardo Rodrigues, docente na Escola Superior de Comunicação Social e Presidente do Conselho Pedagógico da instituição, em que estratégias foram criadas de forma a que o ambiente de sala de aula fosse transportado para uma rede a todos acessível. Ainda assim, com altos e baixos, falhas e conquistas, nada ficou por fazer. No final do dia, “todos os objetivos foram cumpridos”, e quem o diz é Carlos Andrade, jornalista e docente na Escola Superior de Comunicação Social.
Numa escola em que a prática é privilegiada, toda a aura de estar em estúdio foi perdida na passagem para o digital. Para quem, como Carlos Andrade, vive entre frequências de rádio, todo o ritual que compreende uma “aproximação quase religiosa ao microfone” teve de ser repensado. Ainda assim, com microfones amadores e diários noticiosos com pivôs à distância, a ligação entre professores e alunos não deixou de se estabelecer. Mas tendo como ponte uma rede por alguns inacessível, as aulas à distância foram, para muitos, um desafio. Nas aulas do professor Ricardo Rodrigues nem todos os alunos tinham a mesma facilidade de acesso: “eu tinha alunos que, por terem má rede em casa, assistiam às aulas no telhado da Junta de Freguesia, à chuva. Enquanto a Junta estava aberta, eles estavam lá.”. Entre todo o contorno das dificuldades de dados alunos perdeu-se ainda o toque e a percepção nítida dos gestos daqueles com quem conversamos. Olhar nos olhos de quem connosco fala no digital deixou de ser possível mas, por mais impessoal que seja, hoje as sequelas de um período tecnológico modificam os velhos costumes de quem outrora só se conhecia no real.
Se para os professores dar aulas para uma turma ‘sem cara’ ou com foto estática foi um desafio, para muitos alunos representou uma difícil missão de executar. Para Rita Vassalo, ex-aluna de Ciência Política e atual de Jornalismo, assistir às aulas no Zoom sinonimou, por muitas vezes, desistir: “Eu não conseguia mesmo, eu ligava o computador e tentava prestar atenção mas rapidamente me distraia e desligava. Dizia que tinha algum problema na rede e saia, porque eu não conseguia. Nunca me consegui adaptar bem ao Zoom”. O Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, onde a Rita se aventurou na sua primeira experiência universitária, não teve o Zoom como aliado: à distância, as aulas eram gravadas e partilhadas com os alunos através do YouTube. “Não conseguíamos tirar dúvidas, porque as aulas não eram dadas em tempo real. Nisso, o Zoom é uma vantagem”, disse afirmando ser dos poucos pontos que tem a favor da plataforma. Fora isso, com a organização no digital nunca estabeleceu uma relação de amizade. Ainda assim, por muito difícil que tenha sido a sua adaptação à plataforma, hoje confessa ser onde mais se reúne com os colegas de turma quando têm algum trabalho em mãos: “Antes da pandemia era impensável reunires no Zoom, era sempre presencial. Mas agora é: ‘vamos reunir? bora, mas fazê-mo-lo pelo Zoom porque dá mais jeito, não tenho de apanhar transportes….”.
Se, por um lado, há quem queira ver o Zoom partir, por outro, há quem não se queixe por vê- lo ficar. Francisco Sezinando, licenciado em Jornalismo pela ESCS, admite ter visto no Zoom uma oportunidade incrível para enriquecer a aprendizagem à distância. Tendo iniciado o seu percurso universitário em 2019, fez parte da geração que ingressou no ensino superior no pré-pandemia. E foi entre palestras únicas na vida de um estudante e sessões em que o debate e a partilha eram o prato principal, que teve o Zoom como benéfico para a licenciatura. Viajar sem sair de casa tornou- se rotina, e conversar com pessoas que vivem em pontas opostas do globo nunca foi tão fácil: “Lembro-me que tivemos o Luís Costa Ribas, correspondente da CNN nos Estados Unidos, numa aula. Pudemos falar com ele e perguntar o que queríamos, foi incrível.” Olhando para trás, não consegue “imaginar a pandemia sem Zoom”, e se ontem era adepto do regime educativo à distância, hoje defende um regime híbrido – em que metade das aulas eram lecionadas presencialmente, e a outra metade através do Zoom – por permitir conjugar aulas mais “dinâmicas, em que todos conseguem livremente participar”.
Em 2022 vivemos uma nova normalidade, desta vez lentamente modificada pela apressada reinvenção do passado. Se fora do pequeno ecrã ainda há muito por descobrir, dentro dele nenhum objetivo ficou por cumprir. Hoje, passados dois anos do ‘caos’ em que era a estrela maior, foi considerada a plataforma de reunião virtual preferida por mais de uma década pela Gartner no Quadrante Mágico de 2021. Amanhã, à semelhança de todos os outros ‘ontem’ em que liderou, a plataforma Zoom permanecerá funcional e disponível para qualquer reunião a qualquer hora e em qualquer lugar. Seja com ou sem pandemia.