Todos os caminhos

vão dar à Cidade

Universitária

Ana Sofia Cunha, Filipe Torres, Gonçalo Martins e Lara Alves

(Escola Superior de Comunicação Social)

A Cidade Universitária é a casa de milhares de estudantes vindos de várias partes do país, mas sobretudo da Área Metropolitana de Lisboa. Todos os caminhos vão dar ao espaço de referência do ensino superior, seja através de estradas, carris ou ciclovias.

Nas cidades, a nível nacional, até 2020 cresceu a utilização de comboios suburbanos e de sistemas metropolitanos. Na capital portuguesa, as pessoas percorrem uma média de 7,1 km nos transportes públicos. Cerca de 70% precisa de fazer pelo menos um transbordo para chegar ao seu destino. Indicadores da aplicação Moovit mostram ainda que o tempo médio de espera em paragens na AML chega aos 14 minutos.

Na busca de respostas sobre a mobilidade em Lisboa, acompanhámos três alunos de faculdades que ficam na Cidade Universitária. Todos têm a mesma zona como partida ou destino, mas diferentes formas de se deslocarem. É o retrato de uma geração que vive de passes de transportes e que começa a conduzir, com um olho no ambiente e com preocupações sobre os transportes que usam dão qualidade de vida.

Mapa da Área Metropolitana de Lisboa que mostra os percursos dos três jovens entrevistados

Sofia separador

Sofia Correia, de 20 anos, passa o Rio Tejo para estudar. Vinda do Montijo, a estudante de Línguas, Literatura e Culturas navega todos os dias em direção à Cidade Universitária. Mas a viagem não se fica por aí. A jovem embarca diariamente numa viagem com cerca de 2h30 em que usa o metro, o barco e seu próprio carro.

Na impossibilidade de poder estudar, Sofia acaba por passar grande parte deste tempo no seu telemóvel, ouvindo música ou apenas navegando pelas redes sociais. A distância e o tempo que demora a chegar a casa não permitem que Sofia desfrute ao máximo do tempo que passa na capital.

A longa viagem com rumo a casa começa no metro da Cidade Universitária. Este é o transporte que implica menos tempo de espera à jovem estudante. A rota divide-se em duas viagens de metro, com uma mudança de linha na estação do Campo Grande e com destino ao Cais do Sodré. De seguida, Sofia aguarda pelo “Seixalinho”, no qual fará a travessia até ao Montijo.

Tal como muitos jovens, Sofia considera que o tempo nos transportes acaba por ser um “tempo perdido” e “extenuante”. Não só perde tempo de estudo, como encara bastantes dificuldades para aproveitar o tempo de convívio com amigos e família.

O serviço dos transportes nem sempre agrada aos lisboetas. A TST é a segunda operadora de transportes com mais reclamações dos passageiros rodoviários, com 956 queixas em 2020, seguida da CARRIS, com 312. Já a Barraqueiro Transportes encontra-se em oitavo com 173 reclamações por parte de quem atravessa o Rio Tejo. Os dois principais motivos de reclamação são a crítica à conduta do funcionário e o cancelamento de serviços, segundo o relatório Relatório sobre as reclamações no Ecossistema da Mobilidade e dos Transportes no 2.º semestre de 2020.

As greves da Transtejo colocam um grande entrave à mobilidade de Sofia, que opta por uma solução simples, mas pouco eficaz: faltar às aulas. A única alternativa que tem é apanhar um autocarro até à Gare do Oriente, que tem cerca de uma hora de viagem. Além deste obstáculo, Sofia lamenta ainda as greves de metro, que vêm dificultar ainda mais a fluidez do percurso.

Chegada ao Cais do Seixalinho, está agora na hora de Sofia conduzir até casa. O cansaço de um dia de escola já é muito quando chega ao carro, mas a viagem é curta e, segundo ela, muito melhor por ser no seu próprio automóvel. Ainda assim, Sofia não esconde que viver em Lisboa poderia ser uma mais valia para si e para a sua gestão de tempo.

Sofia citação
Marta separador

Marta Gomes vive “no meio do nada”. É assim que a jovem de 20 anos descreve a zona onde vive, a localidade de Á-dos-Bispos, em Vila Franca de Xira. Diz ser tentador viver no centro, mas a paz e o sossego do seu bairro são insubstituíveis. Uma parte da sua vida é na capital, mais concretamente na Cidade Universitária.

É estudante de Bioquímica na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Reserva cerca de 3 horas por dia para andar sobre carris e sobre rodas. Durante esse tempo, navega nas redes sociais e ouve música. Tenta ainda estudar, mas não é fácil fazê-lo em sítios ruidosos. Há que tentar rentabilizar o tempo.

A primeira parte da sua viagem de regresso a casa é passada no metro. Do Campo Grande até Entrecampos vê-se apertada no meio de tantos passageiros, mas nesta estação sai muita gente.

A viagem é mais tranquila até trocar de linha. Normalmente, ao entrar na linha vermelha, as carruagens voltam a encher, embora no dia em que acompanhámos Marta elas respiravam com poucas pessoas em pé.

A Linha da Azambuja tem várias paragens – ao todo são 14 estações. E é como se diz: devagar se vai ao longe. São precisos quase 50 minutos para se atravessar toda a linha. A estação de Vila Franca de Xira, onde entra e sai Marta, é a sexta paragem a partir do Oriente.

Apanhar o comboio interregional que parte em Santa Apolónia e vai para Tomar é um sonho para Marta. Em apenas 15 minutos, chega a Vila Franca. Se fosse no suburbano até à Azambuja ou até Castanheira do Ribatejo, demoraria perto de 30 minutos. Mas esta é a realidade comum da jovem, que costuma sair da faculdade por volta das 19h30. Nesta altura, interregionais nem vê-los.

Atrasos e greves surpreendem às vezes. Aumentam o intervalo de espera nas viagens, roubando ainda mais tempo a um dia que continua a ter ‘apenas’ 24 horas. Apesar do registo de um aumento de pontualidade em 2020, os passageiros da CP mostraram-se descontentes quanto à qualidade do atendimento, à circulação e aos canais de venda.

Já em Vila Franca, Marta conduz curva a curva até chegar a casa. É a melhor opção para a estudante, que se queixa da falta de autocarros no “meio do nada” onde vive. Aponta ainda a falta de ligações diretas da zona de Vila Franca de Xira ao centro de Lisboa.

Marta citação
Rafael separador

Rafael Ramusga, de 21 anos, aceitou o desafio de um amigo para usar apenas a bicicleta durante dois meses. Foi assim que ganhou um hábito pelo qual ganhou muito gosto. Agora faz o percurso entre a sua casa em Arroios e o Instituto de Geografia e Ordenamento do Território a dar ao pedal.

Foi preciso regressar a Lisboa para ganhar novamente o gosto pelo ciclismo. Em Leiria, cidade de onde é, Rafael costumava andar de bicicleta por lazer até ter um acidente que o assustou. Medos afastados, hoje a bicicleta faz parte da vida do estudante de Planeamento e Gestão do Território.

Rafael fala numa “democratização demasiado grande” do automóvel em Lisboa. Com isto, quer dizer que o carro ainda é o rei da cidade, onde há pouco espaço para os peões e automobilistas. No entanto, a pandemia da Covid-19 trouxe um aumento de 25% da micromobilidade em Lisboa.

Não embater contra as pessoas que se atravessam de repente na ciclovia, ter atenção aos carros para não levar com uma porta ou mesmo para evitar um acidente são obstáculos que fazem parte do dia a dia de quem anda de bicicleta na capital.

Em 2020, Lisboa tornou-se numa cidade mais amiga do ambiente. A Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL) acrescentou 14 quilómetros à rede de ciclovias na capital. O guia “Como pedala Lisboa” mostra que já se poupou mais de 100 toneladas de CO2. Como? 29% das viagens antes feitas de carro são agora feitas com bicicletas GIRA.

Rafael gostava de ver os portugueses a mudar as suas mentalidades na forma como se deslocam dentro das cidades. Seja a utilizar transportes públicos ou bicicletas, o importante é pensar na relação entre as viagens que fazemos (curtas ou longas) e a poluição causada.

No mês de dezembro, a bicicleta ficou mais vezes em casa por causa do frio. Para fazer viagens mais confortáveis, ainda para mais em dias que volta de noite da escola, Rafael voltou a usar o metro. Agora no início do ano, se o tempo melhorar, talvez a bicicleta já saia mais vezes à rua.

Seguidor atento de matérias de mobilidade, em outubro de 2021, Rafael foi uma das milhares de pessoas que, a bordo de uma bicicleta ou trotinete, se manifestaram na defesa da ciclovia da Avenida Almirante Reis. O atual executivo da Câmara Municipal de Lisboa tinha como intenção refazer o trajeto.

Rafael citação