Nascido em 2003, o projeto Novas Primaveras tem vindo a alegrar os dias de idosos que vivem em zonas mais isoladas da região de Leiria. A SAMP – Sociedade Artística Musical dos Pousos é quem assina a iniciativa, com o objetivo de combater a exclusão social e de melhorar a qualidade de vida destas pessoas.
O encontro é às 14 horas. Uma equipa de músicos da SAMP junta-se no Reguengo do Fetal, freguesia da Batalha, com uma técnica do Centro Paroquial de Assistência de Reguengo Fetal. O destino é a aldeia da Torre, um dos locais de visita regular, onde a música costuma bater à porta de idosos.
Em tempos de pandemia, as visitas musicais são feitas ao ar livre para que haja uma maior segurança. Embora tenham deixado de entrar nas casas, os músicos reconhecem ainda mais importância no projeto e uma maior valorização por parte dos envolvidos. “Agora temos um cariz mais íntimo com as pessoas”, sublinha Ana Filipa Cunha, um dos elementos da SAMP.
Depois de muitas subidas e descidas, os músicos chegam à porta de Manuel Vicente de Sousa, de 88 anos. “Vocês hoje trouxeram-me à festa”, conta o antigo Guarda Nacional Republicano, após ouvir algumas das músicas. Desde o Malhão, ao Jardim da Celeste, passando pelo Alecrim aos molhos e pelo Mar enrola na areia, o senhor Manuel e tantos outros idosos não se cansam destas visitas. “Aprecio muito a vossa alegria”, confessa.
“Nós agarramos em algo que nos é retribuído através de um olhar, de uma reação ou de uma emoção”, retrata um dos músicos que integram a equipa da SAMP, Sérgio Ventura, acompanhado pela sua viola. A partir desta interpretação, os músicos procuram a melhor forma de dinamizar as visitas que realizam diariamente. “A música toca mesmo fundo nas pessoas, seja para rir, para chorar, para tudo”, explica Ana Filipa, realçando a importância das emoções na música e no projeto.
“Vamos cantar, qual é a música?”, questiona Ana Filipa a outra das pessoas que recebem a companhia dos músicos da SAMP na sua casa. O seu nome é Maria Alice Reis e já conta com 85 anos. “Temos de arranjar uma música para a Dona Alice bailar ali um bocadinho”, reforça Ana Filipa. Músicas, sorrisos e gargalhadas são alguns dos elementos que nunca faltam nestas visitas. “Deixem-se estar aí mais um migalhico, deviam vir cá mais vezes” propõe Maria Alice Reis, quando o final da atuação se aproxima, no que é uma forma de despedida já habitual.
Sentada na serventia de sua casa está também Maria de Jesus Marques de ombros cobertos por um lenço de lérias. “Quem canta, seus males espanta”, reconhece Ana Filipa e é algo que esta senhora de 97 anos aprecia fazer. “Sinto-me satisfeita, muito alegre, esqueço-me de todas as tristezas neste momento”, conta. Depois das melodias e de algumas histórias à mistura, os músicos têm de se despedir. “Gostava que repetissem a visita mais vezes”, admite Maria de Jesus.
Como estes três idosos, muitos outros vivem em zonas afastadas dos centros urbanos, o que dificulta o contacto com pessoas e ambientes diferentes, podendo, por vezes, levar à solidão. “As pessoas estão isoladas e precisam cada vez mais de um ato social”, clarifica Ana Filipa. Mas nem sempre o cenário é o ideal. “Às vezes deparamo-nos com realidades muito duras em que uma pessoa tem uma vida mais triste e nós temos que aguentar firmes e ir ao encontro dela”, conclui.
São idosos não institucionalizados, muitos mantêm o apoio da sua família, mas é preciso estimular os seus dias. A identificação de quem recebe as visitas é feita pela SAMP em articulação com juntas de freguesia e instituições que prestam apoio no terreno e conhecem as necessidades.
Ambos os músicos concordam que fazer parte deste projeto é uma experiência gratificante. “Nós bebemos de estar em contacto com as pessoas”, revela Sérgio Ventura, acrescentando que tem “um prazer enorme em fazer isto”.
Para além destas visitas em contexto domiciliário, a equipa da SAMP intervém em lares, e centros de dia, procurando proporcionar estes momentos também a quem está institucionalizado. Inclui ainda uma dimensão de intervenção em cuidados paliativos, proporcionando momentos de viagem sonora e interação verbal e não-verbal através da arte.
Como a aldeia da Torre, muitas outras recebem a visita de Ana Filipa e Sérgio, mas também de outros músicos que fazem parte da SAMP, e atuam em equipas alternadas. Por entre curvas e contracurvas, montes e vales, o projeto Novas Primaveras continua a caminhar em direção à inclusão social.