O brasileiro Sandro Silva veio para a Europa para ser jogador de futebol. O sonho cumpriu-se numa carreira que não foi recheada de grandes títulos, mas que se encheu de encontros memoráveis com os craques e de lições que ultrapassam as quatro linhas.
Sempre com o número 3 nas costas, o defesa central que até há pouco tempo vestia as cores do Real SC, fez a viagem para o velho continente à procura do sonho do futebol. Com muita perseverança, trabalho e profissionalismo conseguiu cumprir o seu sonho. Mas esse sonho teve sempre uma muleta da sorte. O número 3 é o número normalmente utilizado pelos defesas centrais no Brasil e Sandro não foi exceção. Hoje em dia já não se consegue ver sem o algarismo nas costas. Foi com o número 3 que, em Portugal, defrontou jogadores como Hulk, Falcão, Cardozo, Saviola, Liedson e Hélder Postiga.
Áudio: Para além da capacidade de desarme, um bom central deve saber lidar bem com a pressão dos avançados. Tentámos testar Sandro Silva, mas o número 3 não cedeu à nossa pressão e saiu a jogar.
Histórias de balneário no futebol português
Corria o ano de 2008 e Sandro cumpriu o sonho que muitos jogadores brasileiros têm na sua carreira: vir para a Europa. Portugal, tal como para muitos outros jogadores, foi a porta de entrada para o defesa central que se instalou em Matosinhos para representar um Leixões SC que viria a brilhar nessa mesma época.
E foi precisamente no clube de Matosinhos que Sandro conviveu com duas figuras míticas do futebol português. Uma delas foi um dos responsáveis pela vinda do brasileiro para Portugal. Vítor Oliveira, que morreu recentemente, era o diretor desportivo do Leixões SC. Já nessa altura, Sandro via o homem profissional e empenhado que marcou o futebol português.
No plantel, Sandro também pôde conviver com o histórico guarda-redes Beto, que na data da entrevista, havia regressado ao Leixões SC. Costuma-se dizer que desde cedo se percebe quem realmente tem futuro com a bola nos pés. Neste caso, Sandro já sabia que Beto era um guarda-redes de futuro. A forma de ser dentro do balneário também perspetivava o Beto que hoje conhecemos.
Em pouco tempo, Sandro viajou por Portugal de uma ponta a outra. De Matosinhos seguiu para Olhão onde representou o SC Olhanense na época 2009/2010. Jorge Costa era o treinador, mas já não era o mesmo “bicho” da altura em que jogava no FC Porto. “Quando cheguei a Portugal diziam que ele era agressivo, nervoso, explosivo, mas depois quando fui para o Olhanense ele surpreendeu-me muito. Era muito calmo, tranquilo.”
Jorge Costa foi um mítico defesa central do FC Porto e da Seleção Nacional. Era assim uma vantagem para os defesas centrais como Sandro ter um treinador que tão bem conhecia aquela posição. “Em certos momentos do treino, principalmente na linha defensiva, ele costumava dar muitas indicações para os defesas centrais, principalmente por ele ter jogado muito tempo naquela posição”.
Ainda no Olhanense SC, outra figura de relevo do futebol nacional com quem Sandro partilhou o balneário foi André Castro, atual médio do SC Braga. “Via-se logo que ia virar um jogador com grande expressão, porque, da minha carreira, foi dos poucos jogadores que eu vi que gostam de ganhar. Luta, dá a vida em cada jogo, treino.”
Com mais ou menos jogadores raçudos, a verdade é que não existe um balneário sem o “engraçado” do grupo. No plantel do Olhanense SC, um desses elementos era claramente o jovem Ukra, que, anos depois, se viria a notabilizar pelo seu carisma no futebol português. “Era o dia inteiro a fazer a alegria de quem estava triste”, contava Sandro.
O balneário de que se vai falar a seguir não tinha Ukra como protagonista, mas não foi por isso que deixou de ser um dos melhores balneários da carreira de Sandro. O CD Santa Clara, que Sandro representou em 2011/2012, tinha um grupo que não poupava nas partidas e brincadeiras. “Só coisas pesadas que a gente fazia ali”.
Qualquer elemento novo acabava por entrar no espírito do grupo até porque o processo de integração de novos jogadores era algo que não escapava ao balneário.
Mas não foi só no mais alto escalão do futebol português que Sandro viveu histórias de balneário e conviveu com figuras ainda hoje reconhecidas. A passagem pelo CD Mafra do Campeonato de Portugal resultou não só no único título conquistado na carreira como também na excelente relação com Toni Pereira, treinador do clube.
“«O velho»! O velho é como os mais próximos lhe chamam, de forma carinhosa. É um treinador muito presente, dentro do clube. É muito marcante para quem trabalha com ele. Alguns queixam-se porque ele é muito autoritário, mas na minha opinião é um dos treinadores com quem é mais fácil trabalhar. Aquilo que ele pede, é aquilo que tu tens de fazer.”
Mais recentemente, as histórias que Sandro tem para contar já se cruzam com o Real SC. Sandro completou a terceira e última época em Queluz, mas ao longo do tempo já passou por muito, tanto dentro como fora das quatro linhas.
Por isso mesmo, a entrevista ao número 3 foi realizada bem no centro do complexo desportivo do Real SC. Uma tarde gélida em que, ao olhar-se à volta, fica-se a conhecer os recantos mais recentes de Sandro.
O complexo desportivo do Real SC. Fotografia 360º de Gonçalo Brandão
Foi também lá que reencontrou e fez grandes amigos para a vida. Carlos Vinícius é apenas um exemplo. Não chegaram a partilhar balneário, mas a ligação do ponta de lança brasileiro ao clube acabou por aproximar os dois. “Carlos Vinícius [depois de sair do clube] sempre que vinha a Portugal costumava vir ver os jogos do Real. Sentava-se ao meu lado e eu acabava por conversar com ele. Ficámos amigos assim.”
“O Hulk era impossível parar”
Muitas foram as figuras com quem Sandro partilhou balneário, mas também muitas foram as figuras que, por mais mediatismo que tivessem, eram rivais dentro de campo. Na passagem pela Primeira Liga portuguesa perde-se a contagem dos astros que Sandro teve de marcar. “Tive a felicidade de enfrentar grandes adversários”.
Os duelos com avançados como Radamel Falcão, Oscar Cardozo, Lisandro Lopez e Hulk não passaram nada despercebidos. “Os que mais me marcaram foram o Lisandro Lopez, o Hulk e o Falcão.” Desses três, havia um que obrigava Sandro a puxar do seu lado mais “agressivo” “O Hulk era impossível parar. Só com pau”, confessou.
Fora das quatro linhas também é um homem realizado. Já com 38 anos, é um dos impulsionadores da Associação Do Futebol Para a Vida. Quando acaba os treinos, é hora de descalçar as chuteiras e vestir a camisola solidária sempre em busca de ajudar o próximo.
Um passe solidário
“Hoje tu, Amanhã Nós”, este é o lema que encaixa perfeitamente na vida de Sandro Silva. Muitas foram as experiências que o defesa brasileiro do Real SC bebeu ao longo dos 19 anos de carreira profissional, mas há uma que o ajudou a ser quem é hoje.
Corria o ano de 2012 quando Sandro Silva assinou pelo Atyrau FK, clube de futebol do Cazaquistão. A mudança tinha tudo para trazer algo de positivo ao jogador, mas acabou por não ir ao encontro das suas expectativas: “Passou uma, duas, três, quatro semanas e o clube nada…”. As promessas feitas a um profissional de futebol que, como qualquer trabalhador, também trabalha por um salário, pareciam ter ficado esquecidas no passado. O tempo passava e a situação parecia não mudar “Só tinha recebido 1 mês de salário mais 40% de outro. Prometiam que iam pagar e nada”. Entre processos na FIFA e atrasos salariais, a única solução foi cortar o mal pela raiz.
E é aqui que entra o lema “Hoje tu, Amanhã Nós”. Ditou o destino que Sandro passasse por algo parecido ao que muitos futebolistas e civis que atualmente ajuda passam. Ditou ainda o destino que a Associação com que colabora tenha como principal lema “Hoje tu, Amanhã Nós”. A iniciativa surgiu com o propósito de ajudar alguns colegas de profissão que estavam com ordenados em atraso.
Sandro, quando foi convidado a participar nesta angariação de alimentos, não hesitou. Afinal ele próprio passou por uma situação semelhante no passado: “As dificuldades que eu tinha no Cazaquistão eram um bocado diferentes, porque eu recebia um ordenado e aguentava muitos, muitos meses. Eram valores altos. Aqui é diferente porque no Campeonato de Portugal há muita gente que ganha 300, 400, 500€ e ficar 3, 4 meses sem receber não é fácil.”
Aquilo que começou com um grupo no WhatsApp de seis pessoas rapidamente se transformou em algo de outra dimensão. Desde jogadores internacionais a empresários, passando por treinadores ou até mesmo pessoas que não estão ligadas ao futebol a contribuição vem um pouco de todos os lados.
Todas a histórias são especiais, mas para Sandro a mais marcante é a do menino João, como carinhosamente o trata: “O menino João tem 11 anos e quando nasceu teve complicações no parto devido a negligência médica. O oxigénio não lhe chegou ao cérebro e isso trouxe-lhe várias complicações. Não anda, não vê, não fala, só consegue comer através de uma sonda e tem de tomar um remédio todos os dias para conseguir dormir. Foi muito complicado para mim ver essa criança com todos esses problemas. Lutam em termos judiciais há 11 anos para que o João tenha uma vida digna.”.
Este é apenas o exemplo de muitas das histórias com que Sandro lida no dia-a-dia. São esses momentos que o fazem assinar um contrato com a solidariedade que promete ser vitalício.
O futuro é incerto e a carreira enquanto atleta não é eterna até porque os 38 anos já pesam. Contudo, Sandro tem por onde se agarrar. As histórias que reuniu e a vertente solidária são uma aposta para o futuro. Um futuro que, quem saiba, pode continuar dentro do mundo do futebol. Quanto ao número 3, ficará para sempre na retina como o número mais utilizado na carreira do luso-brasileiro.
Reportagem adaptada a partir de um trabalho realizado por João Castro, Beatriz Marques e Gonçalo Batista, alunos da Escola Superior de Comunicação Social.