O que é que
Portugal tem?
As histórias de quatro artistas europeus que escolheram deixar os seus países e rumar a Portugal para viver. O que os atraiu, e de que forma essa experiência mudou as suas vidas?
Bruna Fornelos e Maria Francisca Carvalho (Escola Superior de Tecnologia de Abrantes)
Amália, flautista, veio de Espanha e continuou a ter sol e mar na sua vida. Com os portugueses ganhou o hábito de comer sobremesas e doces, mas ainda estranha a nossa nostalgia. Martin, violoncelista, veio da Alemanha e adorou a forma calorosa como foi recebido. Com os portugueses percebeu o prazer de beber um café ao balcão, mas ainda não compreende muito bem por que não valorizamos o que é nosso. Joanna, artista plástica, veio da Polónia porque se apaixonou por um português. Com os portugueses aprendeu a ter uma vida mais calma, mas ao fim de 18 anos continua a não compreender a nossa falta de organização. Guilena, bailarina, veio da Ucrânia só com a ideia de estar perto da mãe. No Norte de Portugal aprendeu a apreciar a comida das tascas e o vinho verde, mas ainda estranha a passividade e um certo deixar andar.
São quatro casos de pessoas felizes que emigraram para Portugal e que fazem questão de se expressar em português, enquanto vão deixando passar alguns comentários sobre coisas que consideram estranhas, como chamar chá de limão a uma chávena de água quente com um pedaço de casca de limão; ou como a obrigatoriedade de se pagar uma inscrição para praticar uma atividade como o bailado; ou, ainda, o facto de se ficar dentro do carro, em frente à praia, em vez de se sair para aproveitar o sol.
OS ARTISTAS
Amalia Tortajada
Valência, Espanha
Martin Henneken
Viena, Áustria / Alemanha
Joanna Latka
Polónia, Cracóvia
Guilena Bondar
Alexandria, Ucrânia
Amalia Tortajada
Flautista
A trabalhar na Orquestra Gulbenkian, Amalia sente que a mudança de Valência para Lisboa foi facilitada pelo facto de se tratarem de duas cidades com semelhanças naquilo que é essencial para si: muito sol e proximidade do mar. Por isso, a mudança não foi difícil. Amigos por perto e muita vida cultural são aspetos que a flautista apresenta como vantagens de viver em Lisboa.
Amália considera que Portugal e Espanha não são muito diferentes em termos de cultura, mas, no que toca à comida, a história é outra. A comida portuguesa não é tão pesada como a do seu país. Se isso é uma vantagem, pelo lado da alimentação saudável, depois vêm os doces… Amália não resiste a um bolo de bolacha, a um pastel de nata ou a uma mousse de chocolate. E se os doces confortam o estômago, o acolhimento dos portugueses conforta a alma.
“Gosto muito da cidade, gosto muito de Lisboa. É similar, é parecida com Valência. Eu, em Valência, estou perto do mar, em Lisboa também estou perto do mar. Há muita luz, muitos dias de sol e era isso que eu tinha antes também. Para mim, é muito importante também o clima da cidade, a luz que eu tenho, as pessoas e estava habituada a ter isso e tive a mesma coisa. A qualidade de vida que eu tenho na cidade, uma cidade bonita, e tenho os meus amigos e posso fazer qualquer coisa. Culturalmente também há muitos concertos, muita coisa para fazer. Eu adoro Lisboa!”
Martin Henneken
Violoncelista
O artista da Orquestra Gulbenkian não se arrepende de ter viajado até Portugal e já se sente em casa. Pode desfrutar de várias coisas e considera que o povo português lhe ensina e dá uma grande aprendizagem. Fala sobre a quebra de gelo que sentiu entre o povo português e os povos austríaco e alemão. Num Português que ainda troca uma ou outra palavra, mas que se percebe perfeitamente, sublinha o espírito aberto e amigável com que foi recebido e que o faz sentir-se em casa.
Martin sabia que o estrangeiro era o seu futuro, só não tinha decidido qual o país onde iria trabalhar. Num momento inesperado, inscreveu-se para uma vaga como violoncelista em Lisboa, mesmo tendo muito pouco conhecimento da cidade. Fez a sua prova e, intuitivamente, apercebeu-se de que a capital lusa teria de ser o seu futuro local de trabalho.
“A minha chegada foi muito agradável. Senti-me muito bem-vindo cá e acho que isso também já pode ser uma transição para as diferenças entre Alemanha, Áustria e Portugal. Acho que as pessoas cá são bastante abertas e amigáveis, à partida, e como o meu standart é mais a cultura germânica onde não temos fama de ser as pessoas mais cálidas, mais fáceis de fazer amizades, e talvez, não sei. Aqui foi muito agradável e senti-me mesmo, sim, bem-vindo.”
Joanna Latka
Artista Plástica
A artista plástica polaca está em Portugal há cerca de 18 anos. Os portugueses pecam, na sua opinião, pela falta de organização e pelo excesso de afeto, mas é também um povo querido e espontâneo. Entre tantas diferenças culturais, a comida portuguesa é um dos pontos possíveis de comparar entre ambos os países. A seu ver, Portugal, em comparação com a Polónia, tem menos variedade de chás e houve um em específico que lhe causou uma certa “comichão”, pois quando se dirigiu a um estabelecimento e pediu chá de limão, deparou-se somente com água quente e uma raspa de limão, enquanto no seu país têm mesmo uma saqueta própria desse chá. Em relação ao café, na Polónia também existe um elevado consumo da bebida.
Joanna esclarece que não se arrepende de vir para Portugal e por cá ter ficado, pois foi onde teve a oportunidade de conhecer a sua “cara-metade” e, mesmo depois de ter regressado ao seu país para terminar o curso, optou por Portugal, não por razões económicas, mas sim por causas emocionais.
“Coisa que eu aprendi foi chá de limão, carioca de limão, esse foi o maior choque para mim cultural que, em Bragança, quando eu pedi chá de limão trouxeram-me água quente com raspa da casca do limão e, portanto, nós bebemos chá de limão é mesmo de limão, tem chá mesmo de saqueta, não é um banho de chá preto com a fatia de limão. Essas coisas, sim, mas não foi café, foi o chá. Mas, embora um choque cultural, eu aprendi a beber esta coisa que eu achei no início horrorosa, agora adoro o carioca de limão. É uma coisa que eu faço conscientemente.”
Guilena Bondar
Dançarina
Nascida na Ucrânia, Guilena Bondar veio para Portugal seguindo os mesmos passos que a sua mãe. Consigo trouxe a sua filha, de apenas três meses, e o seu marido. A dançarina profissional sente que Portugal foi uma boa opção, pois assim acaba sempre por ter a família por perto, especialmente a sua mãe. O padrasto foi uma das maiores ajudas na fase de aprendizagem da língua portuguesa. Não achou difícil de aprender, e chegou mesmo a recorrer a alguns livros de crianças ilustrados. Contudo, ainda acha algumas palavras do Português um tanto estranhas. Foi quando começou a trabalhar que aperfeiçoou a sua fala.
No seio familiar, a diversidade de línguas é uma constante. Fala-se sobretudo em Russo, porque a mãe nasceu na antiga União Soviética, mas também se fala um pouco de Ucraniano e até de Inglês.
“Eu vim tinha 20 anos, a minha mãe foi depois de férias para a Ucrânia, tinha um padrasto que era espetacular e ele comprava-me livros para os bebés, com desenhos. Enquanto a minha mãe um mês estava fora, eu fazia com ele aulas em português e nós conseguimos, no final do primeiro mês, comunicar do género “comer”, “segunda”, “três”, “seis”. Não achei difícil. Há coisas que não consigo perceber. Porque é que escrevem um “m” no final enquanto não se lê. Eu tinha português em casa, digamos assim quando a minha mãe voltou porque o meu padrasto era português, eu tinha português em casa pelo menos ia ouvindo. Quando eu realmente comecei a praticar foi quando comecei a trabalhar.”