Estuda no ensino superior, trabalha em televisão e é cigana. Ao escolher o sonho da comunicação, Vanessa Lopes teve de romper laços com a família e com comunidade cigana. Hoje, incentiva os jovens ciganos a estudar e a fazer as melhores escolhas.

Vanessa Lopes tem 26 anos, é estudante em Ciências da Comunicação na Universidade Autónoma de Lisboa e trabalha em televisão desde dos 19 anos. É das poucas mulheres ciganas que frequentam o ensino superior e a trabalhar. O gosto pela televisão começou desde cedo, quando ia à igreja protestante com a família e ajudava com o canal online da instituição. O fascínio pelo mundo da comunicação levou-a a querer prosseguir os estudos. Atualmente, dá voz à mais recente rubrica “Mitos ou Verdades”, na rádio Cova da Beira, onde tenta desconstruir ideias pré-concebidas sobre a comunidade cigana.

O gosto pela comunicação

Foi na plataforma digital da igreja que frequentava na altura que Vanessa Lopes, com 16 anos, teve todas oportunidades para experimentar, errar e voltar a experimentar. Fez desde televisão por cabo num auditório com mais de mil pessoas, câmara, realização, mistura de
áudio, iluminação e até arquivo. Na altura, os pais de Vanessa não se importavam visto que era num ambiente controlado.

No entanto, o fascínio era tanto, que Vanessa Lopes decidiu começar a investigar cursos profissionais relacionados com a comunicação. Planeou até os trajetos de casa até às escolas. Uma forma de tentar convencer os pais. “Era eu a sonhar e a tentar mudar qualquer coisa na mentalidade dos meus pais, mas, pronto, não consegui”, explica Vanessa Lopes.

 

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Ser mulher cigana

Faz parte da comunidade cigana e é das poucas mulheres ciganas com uma das 32 bolsas do Programa Operacional de promoção da Educação – OPRE. É muito raro as mulheres ciganas prosseguirem estudos. Vanessa Lopes explica que “por norma, as mulheres concluem até ao 4º, 5º ou 6º ano e depois saem da escola”.

Até chegar ao ensino superior não foi um caminho fácil. Houve avanços e interrupções.

Segundo, os dados mais recentes da Direção Geral de estatísticas apenas 18,6% dos jovens ciganos terminam o ensino básico. Na cultura cigana as mulheres são preparadas para ser donas de casa. Aprendem a saber ser mulher e mãe: “servir o marido, cozinhar para o marido, saber tratar do marido” são alguns exemplos apontados pela própria. Conseguiu concluir o 9º ano de escolaridade: “fiz com muito custo e porque os professores foram incríveis comigo. Viam as capacidades que tinha, muita vontade de estudar e aprender. No entanto, não conseguia estudar devido as estas barreiras”.

Tem cinco irmãos, três rapazes e duas raparigas e, das raparigas, é irmã mais velha. Tudo o que passou enquanto mulher cigana, com irmãs mais novas, as situações foram diferentes. Passou por várias proibições: “eu era meio que abafada, até naquilo que pensava, não podia exprimir ou dizer o que achava… Se não era considerada uma louca e uma ovelha negra da família”. “Não podia sair sozinha, tinha de ir para a escola acompanhada. Não tive daquelas amizades, em que a pessoa chega à fase adulta e tem amigos da escola”, explica. Os pais foram mais tolerantes com as irmãs mais novas, mas os tempos mudaram e este também contribui para abrir novos caminhos. “Nem podia vestir uns calções mais curtos, porque se por acaso a minha mãe visse, se fosse preciso cortava-os.”

Conseguiu chegar aos 18 anos sem casar. Por norma as mulheres ciganas casam muito novas: “estive para casar várias vezes. Felizmente não aconteceu”. Foi nessa altura que Vanessa decidiu sair de casa sem saber muito bem o que era o mundo.

Os projetos

Atualmente, a missão de Vanessa Lopes é ajudar os ciganos mais jovens a não deixarem os estudos através do projeto OPRE – Programa Operacional de promoção da Educação. Foi neste projeto que encontrou uma segunda família porque percebeu que existem mais
pessoas da comunidade cigana no ensino superior. Vanessa sentiu que já não estava sozinha e que tinha encontrado um grupo de pessoas, onde podem conversar sobre tudo e serem ciganos à mesma.

Vanessas Lopes participa em várias iniciativas como ir até às escolas fazer mediações onde o tema principal é sobre o sonho e contar a sua história de vida. Faz o acompanhamento e ligação com a família para mostrar que é possível continuar a estudar sem se deixar de ser
cigano: “O trabalho nas escolas é muito importante porque estou a expô-los a algo diferente”. Neste momento devido à pandemia as mediações às escolas estão paradas. Vanessa também participa em vários debates que são um processo de construção visam trazer mudança.

O preconceito

Apesar de Vanessa sentir que nunca sofreu de preconceito e ter sido sempre bem-recebida, acredita que, mesmo que as pessoas digam que não há preconceito, existe sempre, nem que seja em pequenas brincadeiras.

Áudio:” Existe muito preconceito a nível laboral, é uma verdade e uma realidade”.

Por isso, Vanessa acredita que o trabalho que faz no programa de rádio sobre mitos e verdades sobre a comunidade cigana é muito importante. É um trabalho contínuo com a comunidade cigana para que haja transformação de dentro para fora: “Ser cigano não quer dizer falta de educação e formação. Podemos ser ciganos e estudar! Não é o estudar que nos vai desencaminhar e tirar os nossos valores ou perder os nossos costumes”.