As ditaduras de Franco e Salazar deixaram raízes na Península Ibérica. O Movimento Católico Espanhol, em Espanha, e o Ergue-te, em Portugal, reclamaram a herança e mantiveram viva a memória dos líderes, mas o VOX e o CHEGA! empurraram para canto os pequenos extremos da extrema-direita.
Em abril de 1974, a Revolução dos Cravos acabava com a ditadura já decadente de Salazar. Em Espanha, a liberdade teria de esperar até à morte natural de Francisco Franco, em novembro de 1975. A sucessão de D. Juan Carlos I como rei de Espanha acabaria por pôr fim à ditadura franquista. Mas se os líderes totalitários já cá não estavam para governar pela força e repressão, os herdeiros não demoraram a surgir. Nem em Espanha nem em Portugal o grito de liberdade e o repúdio à ditadura da maioria que vivia até então oprimida fez os seguidores de Franco e Salazar andarem escondidos. Como, até hoje, ainda não andam.
Em Portugal, o primeiro movimento oficial de extrema-direita a candidatar-se a atos eleitorais surgiu em 1979, cinco anos após a queda da ditadura. O Movimento Independente para a Reconstrução Nacional (MIRN) coligar-se-ia com o Partido da Democracia Cristã (PDC), criado em 1974 e inicialmente com uma ideologia antissalazarista, e com a Frente Nacional para as eleições de 1980. A coligação foi um fracasso, somando apenas 0,4% dos votos, o insuficiente para eleger pelo menos um deputado.
Apesar das dificuldades e do desaparecimento de alguns destes partidos, os pupilos de Salazar fizeram resistir a sua memória. Em 2000, deram a jogada final na afirmação enquanto partido sólido, ao se apoderarem da decadência do Partido Democrata Renovador (PDR), um partido com inspiração de esquerda. Com dificuldades em juntar cinco mil assinaturas para legalizar um partido, os elementos da então Aliança Nacional, que agregava o MIRN, o PDC e a Frente Nacional, e do Movimento de Ação Nacional (MAN) filiaram-se no PDR, pagaram as suas dívidas e transformaram-no no Partido Nacional Renovador (PNR). Num golpe limpo, a extrema-direita apropriou-se do centro-esquerda e, na viragem do milénio, criou casa para os saudosos de Salazar.
Em 2005, José Pinto Coelho assumiu a liderança do, na altura, PNR. O partido, apesar de pequeno, concorreu a todos os atos eleitorais, deixando apenas de fora candidaturas à Presidência da República. Anti-imigração, contra o aborto e contra o casamento e adoção homossexual, que classifica como “contra-natura”, a legalidade do PNR, perante a Constituição Portuguesa, foi sempre questionada, no espaço público. Apesar disso, o partido de José Pinto Coelho registou sempre uma subida em todos os atos eleitorais que participou. Nas eleições legislativas de 2015, o PNR arrecadou mais de 27 mil votos, cerca de 0,5%, não elegendo, contudo, nenhum deputado.
Mas 2019 foi o ano de viragem para o partido de extrema-direita. Ao autoritarismo de Salazar foram outros buscar inspiração e o PNR deixou de ser o único acusado de incentivar ao ódio e à discriminação. Em abril de 2019, o professor de Direito e comentador na CMTV André Ventura legalizou o partido CHEGA! (CH). “Nós estávamos a sentir o nosso crescimento claríssimo e aparece o CH, que tem a visibilidade que nós nunca tivemos, os meios que nós nunca tivemos, com uma figura da bola com boa presença e que se apropria daquilo que andávamos a defender há anos sem voz”, explica José Pinto Coelho. Nas eleições legislativas de outubro de 2019, o CH arrecada 1,29% dos votos, o suficiente para eleger um deputado. Já os 0,33% do PNR não permitiram a José Pinto Coelho chegar ao Parlamento português.
O fracasso das últimas legislativas tem razão evidente para o líder do PNR: “Nós passámos de 27 mil votos para 17 mil. Perdemos 10 mil, objetivamente. Seguramente que uns 10 a 15 mil votos perdemos para o CH. E perdemos também uma imensidão de votos que iríamos ganhar pela primeira vez. Apareceram a roubar-nos o pão da boca, o golo em cima da linha”. Para travar a queda abrupta, em novembro de 2019, no rescaldo das eleições, o PNR mudou de nome e de imagem. Hoje, é o Ergue-te (E) a tentar fazer frente ao CHEGA!
Movimento Católico Espanhol: herdeiros de Franco
Na vizinha Espanha, o golpe dado pelos novos partidos de extrema-direita aos pequenos herdeiros de Franco remonta a 2017. A luta pela independência na Catalunha permitiu ao VOX, fundado em 2013, afirmar-se no espaço público. Em 2018, nas eleições regionais na Andaluzia, o VOX obteve 11% dos votos, elegendo 12 deputados. Os pequenos partidos herdeiros de Franco foram comidos pelo VOX. O Movimento Católico Espanhol é um deles. “Nos últimos três anos, o VOX tem canalizado o voto daqueles que, de alguma maneira, continuam sintonizados com tudo o que nós defendemos”, lamenta José Luis Corral, o líder do Movimento Católico Espanhol (MCE).
Em 1976, logo após a morte de Franco e a queda da ditadura espanhola, os seguidores do ditador criaram o Força Nova (FN). O que era inicialmente uma revista de propaganda franquista rapidamente se tornou num pequeno partido de extrema-direita. Em 1979, a FN elegeu o seu primeiro representante para o Congresso dos Deputados, Blas Piñar. Mas os tempos áureos dos conhecidos “falangistas nostálgicos” tiveram vida curta. Em 1981, a fragmentação interna do partido começou a espelhar-se no surgimento de diversos movimentos. O Movimento Católico Espanhol, liderado por José Luis Corral, nasceu neste seio. Em 1982, nas eleições para o Congresso dos Deputados, o MCE já concorreu contra a FN. O resultado eleitoral catastrófico da FN de apenas 0,13% dos votos ditaria o regresso à origem: uma pequena revista de propaganda ideológica. No entanto, os 0,01% no MCE não destinaram o seu fim.
Nas eleições europeias de 2014, o VOX era ainda uma criança, mas já ficava à frente do velho MCE. O partido de Corral que concorria pela segunda vez a um ato eleitoral, na coligação “Espanha em Marcha”, obteve pouco mais que 17 mil votos. Já o VOX, apesar de não ter elegido nenhum eurodeputado, somou mais de 24 mil eleitores.
Corral não sabe precisar o número de militantes que o partido tem, mas garante que atualmente conta com “pelo menos 5 mil militantes e simpatizantes”. A história da extrema-direita ibérica no pós-ditaduras é feita de fracassos. Nos atos eleitorais a que concorreram, o MCE e o Ergue-te nunca elegeram um deputado. Já os inimigos do espetro político sobem a galope, apoiados num discurso velho e repetido.