A queda de parte da ponte Hintze Ribeiro, em março de 2001, matou 59 pessoas. Vinte anos depois, as dores ainda não sararam: de quem perdeu toda a gente e de quem perdeu todos os bens; de quem testemunhou a fúria das águas e a fúria das chamas; e de quem sente a inércia e a distância em todos os pequenos atos de ser.
“Todos os funerais das vítimas da ponte foram feitos debaixo de chuva”, conta Cristina, coveira do cemitério de Santa Maria de Sardoura, em Castelo de Paiva, no distrito de Aveiro. Há vinte anos, não foi ela quem enterrou os pouco mais de vinte corpos que voltaram a terra, mas foi o marido, também ele já morto.
Marcado pelas tragédias, o concelho de Castelo de Paiva, na margem sul do Douro, saltou para os diretos infinitos das televisões quando a ponte que ligava a localidade de São Martinho de Sardoura a Entre-os-Rios, já em Penafiel, desabou. Um autocarro e três ligeiros caíram com ela nas águas do Douro, num ano de chuva implacável.
“Passamos numa ponte de forma inconsciente, não pensamos no estado da ponte, porque confiamos”, diz José Miguel, que atravessara o rio na Hintze Ribeiro momentos antes de o quarto pilar daquela ponte ceder.
Foi preciso mais de um mês para recuperar as viaturas caídas à água. A maioria das vítimas, porém, nunca seria encontrada. Quase todos pertenciam a das freguesias de Castelo de Paiva.
Nos 35 dias de operações, presidente da República, primeiro-ministro, ministros e secretários de Estado de quase todos os gabinetes rumaram ao Norte para perceber o que tinha acontecido e prometer soluções: afinal, o país da vanguarda da Expo 98 não queria ser o mesmo país onde as populações ficavam isoladas, à distância de estradas cheias de curvas e de buracos.
Vieram, então, os compromissos. Arrancaram algumas obras. Mas redundaram em poucas soluções. Vinte anos depois, Castelo de Paiva continua demasiado longe: sem estradas que encurtem as distâncias o a Penafiel — mesmo ali ao lado —, ao Porto — a menos de meia centena de quilómetros —, ou a Aveiro — a capital do distrito.
Pelo contrário, o território sobrevive na margem do esquecimento. Depois do encerramento do complexo mineiro do Pejão, nos anos 1990, das fábricas internacionais e do luto coletivo da Hintze Ribeiro, os incêndios de outubro de 2017 destaparam as mesmas sensações de abandono e incúria latentes no território.
“Temos sido, digamos, um concelho pequenino, mas cheio de azares nestes últimos anos”, desabafa Adelino Martins, num café à beira da estrada, em Oliveira do Arda. “Esta estrada que vai aqui, que circula para Folgoso, está lá que dá para fazer um filme de terror. Infelizmente, se forem lá e vê-la, dá para fazer um filme de terror. Está qual e qual como quando ardeu. Aquilo está tudo retorcido, está exatamente. Dá para fazer um filme de terror.”
Augusta Correia, em Cruz da Carreira, avisa: “o povo de Castelo de Paiva não quer ouvir, quer sentir. Aquela obra [remate do IC35 e outros acessos] é para ser feita.” Em 2001, trabalhava num café em Oliveira do Arda. Passou-lhe pela frente toda a operação mediática. Vinte anos depois, não encontra nada para além disso.
“Daí para cá, o que se aproveitou foi tudo para divulgação, mas sempre com festas e festinhas. Fizeram um evento muito bom para a nossa terra, a Feira do Vinho Verde. É uma coisa que já existia antes disso. E, com isso, puxou muito as pessoas cá, e foi-se trabalhando algumas coisas. Mas é pena ver a ser feitos investimentos com o nosso dinheiro em coisas que não têm utilidade”.