É no Arquivo dos Diários, sediado na mais antiga Biblioteca Municipal de Lisboa, que se encontram testemunhos escritos na primeira pessoa. As histórias que ficariam esquecidas perduram, assim, para as gerações seguintes.

Entrada da Biblioteca de São Lázaro, em Arroios

Clara Barbacini encontrou o diário do seu bisavô perdido num sótão. Para que a história não se perdesse, decidiu entregá-lo ao Archivio Diarístico Nazionale, localizado em Toscana, Itália, que conta com cerca de 36 anos de existência e sete mil diários recolhidos. Quis o destino que, mais tarde, Clara Barbacini se cruzasse com a cultura portuguesa. Mudou-se para Portugal e criou o projeto Arquivo dos Diários, inspirado no arquivo italiano.

Clara Barbacini, responsável pelo Arquivo dos Diários

Em Portugal, o Arquivo dos Diários surgiu no final do ano de 2016, sediado na Biblioteca de São Lázaro, em Lisboa. Conta com quase 40 diários e tem como objetivo recolher e valorizar memórias de pessoas, em formato de diário, epistolares, cartas e testemunhos autobiográficos. “Preservamos essas memórias porque achamos que têm uma importância a nível histórico que não pode ser ignorada. É uma história que não está nos livros, mas que conta uma perspetiva diferente”, explica Clara Barbacini.

Este arquivo foi criado por um grupo de pessoas com interesse na preservação da história. É um projeto voluntário que reúne três elementos na direção, a parte mais ativa do Arquivo, e mais três que colaboram frequentemente. Por vezes, acolhe os estágios de estudantes universitários italianos.

Sala onde se encontra o Arquivo dos Diários

A memória em diários

De forma a dinamizar a entrega de diários, o Arquivo criou o concurso “Conta-nos e Conta Connosco”, onde é premiado o testemunho com mais condições para ser publicado em livro. No fundo, a história mais interessante. Os diários propostos a concurso são inicialmente analisados por um júri popular que, de forma voluntária, se disponibiliza para os ler e avaliar. Nesta fase, são escolhidos os três textos com a maior pontuação. Segue-se o veredito de um júri técnico (difere em cada edição), que elege o vencedor. Os diários eleitos não são editados, de modo a preservar a essência do tempo em que foram criados. “Mantemos o original como foi escrito pelo autor, mesmo com os erros, porque toda a forma de escrever um diário reflete, também, toda a personalidade de quem escreveu”, reforça Clara Barbacini.

 

Testemunhos entregues ao Arquivo

Projetos dinamizados pelo Arquivo

O Arquivo organiza, ainda, outras iniciativas, como sessões de conversas sobre a memória autobiográfica ou ciclos de cinema relacionados com a temática, além de participações pontuais em ações da Junta de Freguesia de Arroios e da Câmara Municipal de Lisboa, de que é exemplo o Festival Todos. Em 2019, no âmbito do projeto “Store the Future”, em conjunto com instituições de Itália, França e Croácia, conseguiu um financiamento da Europa Criativa, que possibilitou a elaboração de uma peça de teatro internacional.

Projeto Store The Future (Foto: Store The Future/Facebook)

Preservação da História

Desde os netos que entregam as cartas e testemunhos dos seus avós, às pessoas que escreveram agora o seu próprio diário, todos podem entregar ao Arquivo as suas memórias autobiográficas que não querem ver perdidas. Clara Barbacini explica que “quem entrega o testemunho é que decide qual é a modalidade em que se pode consultar”, havendo a possibilidade do anonimato. Quem não quiser entregar o exemplar original, pode entregar em formato digital ou impresso. Quanto à consulta presencial dos diários, poderá ser feita através de marcação prévia.

Para Clara Barbacini, os diários “podem inspirar o estudo mais cuidado, projetos culturais, como documentários, letras de músicas ou trabalhos dramatúrgicos. Na realidade, podem contribuir para conhecer melhor alguns aspetos privados da sociedade”. Enquanto houver diários, haverá memórias que se podem percorrer para entender o mundo.