A pandemia foi declarada a 11 de março. O vírus atravessou fronteiras e esvaziou ruas, enviando crentes e não crentes para casa. O novo coronavírus afetou todos os setores e a religião não fugiu à regra. As igrejas fecharam, os casamentos foram cancelados e as primeiras comunhões adiadas.
Gabriela Lopes, 12 anos, teve de arrumar o vestido branco da comunhão solene no armário. Os preparativos de meses foram desfeitos em poucos dias, na expetativa de tempos melhores para celebrações. “Fiquei triste por não haver comunhão, já estava entusiasmada e a contar ir”, conta a criança.
O desânimo também tomou conta de quem faz da religião vida. Sérgio Torres
dirige a Paróquia de São Victor há 21 anos e nunca pensou lidar com uma situação
destas.
A pandemia fez com que a sua paróquia fosse obrigada a fechar as portas durante o Estado de Emergência. Só no dia 31 de maio a Igreja teve luz verde para recomeçar as atividades presenciais, tendo, no entanto, de cumprir uma série de regras. Casamentos e batizados continuaram suspensos e o número de pessoas a ir à igreja reduziu substancialmente. “Na missa principal, costumava ter à vontade 350 pessoas e, neste momento, dificilmente ultrapassam as 100”, comenta o sacerdote.
Durante o período mais crítico, apenas os funerais se mantiveram, mas com maiores cuidados e novas exigências. Mariana Santos, estudante em Lisboa mas natural da Madeira, atravessou este período na ilha. Perdeu um tio e refere que, se antes ir a um funeral era “doloroso”, as condicionantes impostas pela pandemia tornaram-no “muito mais pesado”.
“O ambiente era triste e a energia negativa parecia muito mais concentrada”, recorda, acrescentado que, das sete pessoas presentes, três eram da funerária, o que originou um cenário “mais formal que familiar”.
Inácio Silva, gerente da Euro Funerária, corrobora as palavras de Mariana. Os rituais tornaram-se minimalistas e a solidão mais acentuada, já que “as pessoas [antes] iam à igreja, às capelas, aos velórios, cortejos fúnebres e agora não há nada”. “Começaram a sair das morgues, das funerárias ou dos hospitais e iam diretos ao cemitério”, sublinha.
Na interação com o corpo do falecido, sempre existiram cuidados: as luvas, máscaras e batas já faziam parte do quotidiano e a única coisa que tiveram de acrescentar foram os fatos descartáveis. “Temos que estar preparados para tudo e tentamos estar sempre prevenidos”, remata Inácio Silva.
Semana Santa “cancelada”
Braga, também conhecida como a “Cidade dos Arcebispos”, tem uma das Semanas Santas mais conhecidas do país e, este ano, viu-a cancelada. Sérgio Torres explica que ficou tudo “reduzido a zero”. O turismo e a economia da cidade parou. “De um momento para o outro, estávamos sem chão, sem saber o que fazer nem como chegar às pessoas”, lembra, quando questionado sobre os maiores desafios desta pandemia.
Muitas paróquias optaram por recorrer às redes sociais e, aos olhos do pároco, isso pode ser uma oportunidade de crescimento para a igreja. “Sem dispensar tudo aquilo que é a presença física, podemos também aproveitar este mundo digital para uma presença completamente diferente”, caraterizando este fenómeno como “uma espécie de transição de uma igreja analógica para uma igreja digital”.
Contudo, o Padre Sérgio Torres não optou por este método de chegar aos crentes. Para si, muitos párocos que decidiram celebrar a missa online não o fizeram da melhor maneira. “A fazer as coisas, temos de as fazer bem”, admite.
O Estado de Emergência acabou, mas a nova normalidade não é a mesma que se
conhecia. A religião não fugiu à regra. Sérgio Torres acredita que, apesar de “as mudanças ocorrerem lentamente” na igreja, esta não deve “perder uma grande oportunidade de mudar hábitos e, sobretudo, de aproveitar as riquezas deste mundo novo”.