Três jornalistas freelancers portugueses fazem o retrato do que é trabalhar sem a certeza de um ordenado no fim do mês ou o apoio de um meio de comunicação social no dia-a-dia. Entre as razões que os fizeram escolher este caminho, apontam a má gestão dos jornais, a falta de investimento em reportagens por parte dos meios tradicionais e a dificuldade em ingresssar no mercado de trabalho.
Vindos de contextos distintos, os três jornalistas entrevistados partilham uma coisa em comum: um modo de vida à margem do tradicional, sem horários fixos e pagos à peça.
Daniel Rodrigues, com 32 anos, é fotojornalista freelancer por Portugal e por todo o mundo. É através da lente da camara que Daniel capta os momentos e a realidade por onde passa. Em 2013, venceu o World Press Photo, na categoria "Daily Life” e
atualmente trabalha para a National Geographic e o The New York Times. “Embora não tenhas uma vida estável, [porque] não sabes quanto vais ganhar ao final do mês e não sabes se vais ter trabalho para a semana”, Daniel sente-se mais livre.
Beatriz Pinto, de 23 anos, é recém-licenciada em Ciências da Comunicação e colaborou com alguns meios de comunicação mais pequenos. A impossibilidade de arranjar trabalho fixo num órgão de comunicação tradicional, empurrou Beatriz para um refúgio como freelancer. “Os jornalistas mais novos têm de criar o seu próprio espaço e lutar por ele porque não está fácil”, afirma.
A jornalista independente Vanessa Rodrigues, de 38 anos, define-se como uma “caçadora de histórias”, transmitindo-as através do cinema documental, da rádio e da palavra escrita. A revista Visão, o jornal Expresso, o Jornal I e a rádio TSF são alguns dos órgãos com os quais já colaborou. Vanessa tornou-se prestadora de serviços depois de um estágio no jornal Público e da proposta de ficar a colaborar com o jornal. “Acabou por ser a circunstância da vida e do caminho. Não queria desistir do jornalismo e o facto de não poder ser contratada naquele momento, mas poder ser colaboradora abriu-me todas as possibilidades, que era fincar pé no jornalismo e continuar a luta nesta forma”.
Qual a maior dificuldade do Jornalismo em Portugal?
Daniel Rodrigues: Penso que [Portugal] está a passar por uma fase complicada. Por outro lado, também depende muito da parte administrativa dos jornais. Eu acho que muita coisa que está mal a nível nacional é o facto de, em termos administrativos, a gestão dos jornais ser muito má. A culpa do jornalismo estar mal, neste momento, também passa muito pelos administradores que estão nas empresas de comunicação social.
Vanessa Rodrigues: Há algum cansaço interno nas redações, há alguma preguiça interna das redações a nível da proposta das novas ideias. Porque sabemos que a nível das reportagens é o género jornalístico por excelência mas é o género jornalístico em que nós, as redações cortam desde logo custos porque é um formato mais caro. Então nós temos muitas notícias, entrevistas. Mas a reportagem é o género nobre que cada vez temos menos visto ao folhear os jornais, ao ouvir as reportagens em antena, a ver televisão. É o formato que tem havido menos apostas e isso mata um bocado o jornalismo.
Beatriz Pinto: Eu acho que o setor do jornalismo está melhor. Já passamos por anos mais complicados, mas continua a ser um setor muito prejudicado pelas questão da precariedade. Os jornalistas mais novos estão a avença, estão a trabalhar a recibos verdes não são contratados.
Depois também há uma questão interessante que é a estagnação das redações. O facto de não haver uma preocupação em fazer uma renovação sustentada e pensada a longo prazo, o que acontece é que eles começam a ficar envelhecidas. As pessoas que estão estáveis nas redações, são pessoas de 40 [anos] para cima. Isso deixa-me uma questão, se não existe uma renovação contínua e sustentada, onde vão estar essas redação daqui a 26 anos, que é quando essas pessoas vão começar a entrar para a reforma.
A incógnita permanece sobre onde pára o futuro do jornalismo. O envelhecimento das redações, a dificuldade dos recém-licenciados em arranjar trabalho num órgão de comunicação que os acolha e as condições precárias (estar vários anos a receber a recibos verdes, é um exemplo disso) que lhes são propostas, afastam cada vez mais a imagem de um jornalismo dito “tradicional”.
O que é significa ser um jornalista independente? No final de contas, compensa ser freelancer?
Vanessa Rodrigues: És independente, [no sentido em que] não estás na redação e começas a fazer propostas para vários lugares. Tens a possibilidade de fazer várias propostas para vários órgãos de comunicação. É um trabalho difícil porque tens de pensar em varia editorias e para várias abordagens e porque acordas todos os dias a pensar em propostas novas e é difícil também porque tens que gerir a frustração do “não”, quando as tuas propostas são recusadas. Mas é um desafio fantástico porque te obriga a estar um bocadinho mais à frente do que é a imprensa geral.
O jornalismo independente já me levou a caçar muitas histórias em vários lugares do mundo. Mas sobretudo levou-me a ultrapassar os meus próprios limites. Quando tu viajas, tudo é amplificado. E o facto de ver vivido em três países diferentes, dá-me essa
capacidade de poder amplificar o confronto e o encontro com o outro. Essa capacidade de criarmos empatia e de nos revermos, é para mim a grande vantagem do jornalismo independente.
Beatriz Pinto: Os jornalistas freelancer que existem em Portugal e que vivem apenas disso e têm condições, são jornalistas que já tiveram muitas experiências e que já criaram o seu próprio nome e decidiram afastar-se das redações para trabalharem em projetos próprios e esses projetos são valorizados. O problema é quando os jornalistas freelancers, são jornalistas que acabaram de sair da sua formação da faculdade e não têm nome, ou seja, as tabelas salariais que lhes são oferecidas são completamente indignas e são poucas as pessoas que conseguem sobreviver sendo apenas pagas à peça.
Em Portugal acho que não compensa ser freelancer, pelo menos monetariamente. Há vantagens. Mas existem mais desvantagens, porque não tens estabilidade e se fores pago à peça e não uma avença, ainda menos.
Daniel Rodrigues: Eu não sou uma pessoa de ter um horário fixo das 9h às 17h e de trabalhar sempre no mesmo sítio. Ou seja, posso muito bem trabalhar durante 10 dias seguidos, durante um mês seguido e depois, se eu quiser, durante uma semana não faço nada ou faço os meus próprios horários.
Para mim compensa. Também tenho sorte mas também lutei para ter essa sorte. Lutei para conseguir estar onde estou hoje e ganhei um estatuto internacional que compensa e tenho sorte e consigo ser freelancer.
Será o estatuto de freelancer o novo capítulo do jornalismo?
Daniel Rodrigues: Penso que sim. Hoje em dia já não há dinheiro para pagar exclusividade e já ninguém tem contratos. Já não existe aquela coisa do contrato e de estares ligado só a uma empresa e trabalhares só para aquela empresa.
É muito mais fácil contratar um colaborador – um freelancer – do que ter alguém a contrato.
Beatriz Pinto: Eu espero que não seja o futuro. Por uma questão de segurança dos próprios jornalistas e estabilidade do jornalista. Eu acho que o jornalistas, quando têm um vinculo mais estável, acabam por desenvolver um trabalho melhor.
Se os jornalistas passarem a ser só freelancers, não vão ter estabilidade. Vão acabar por fugir do jornalismo. No final de contas o que uma pessoa quer não é só um bom salário ao final do mês, é saber que no próximo mês vão continuar a trabalhar naquele meio.
Vanessa Rodrigues: Eu não diria que é o futuro, é o nosso dia-a-dia. Eu diria que no fundo é algo que já
faz parte de nós desde há muito tempo e que continuará a fazer parte por muito bom tempo, tendo em conta que o atual ecossistema mediático assim o impõe também.
É um sinal do mercado, é um sinal da conjuntura económica do mercado laboral que dá conta da necessidade de prestadores de serviços porque já não conseguem absorver funcionários, para terem um contrato e que integrem uma equipa e o dia-a-dia de uma empresa.