Estima-se que a cada 3 segundos uma pessoa seja diagnosticada com demência em todo o mundo. Um estudo da OCDE apresenta Portugal como o quarto país com mais casos, prevendo-se que o número suba para os 322 mil até 2037.
Lourinhã. Sábado. Três da tarde. É numa sala da Biblioteca Municipal que tem lugar o encontro do Café Memória. Uma equipa de técnicos assume a dinamização da sessão, onde participam cerca de vinte pessoas. Na maioria são cuidadores e pessoas próximas de doentes com problemas de memória, mas as sessões são abertas à comunidade e a todos os que pretendam saber mais sobre demência.
Catarina Alvarez, psicóloga clínica e coordenadora do projeto Café Memória, explica que o objetivo do programa é justamente reduzir o isolamento social em que doentes e cuidadores se encontram, mas também o de falar mais sobre o tema na comunidade, desmistificando a demência e promovendo a inclusão social.
O projeto teve início em Lisboa, em 2013, numa iniciativa conjunta com a Associação Alzheimer Portugal, e conta com mais de 460 sessões, numa rede que envolveu já cerca de 7800 participantes de cidades de todo o país. Ir ao encontro de comunidades menos favorecidas do ponto de vista social e geográfico é o objetivo desta rede que contempla não só as 19 cidades onde o projeto decorre de forma regular, mas também outras zonas abrangidas por ações de esclarecimento pontuais e itinerantes desenvolvidas pelo ‘Café memória faz-se à estrada’.
Apoio a doentes e cuidadores
A demência em si não é uma doença, mas uma forma de descrever uma série de sintomas – que podem incluir a perda de memória, dificuldades de raciocínio, alterações na linguagem e de humor – provocados por doenças mentais que tornam a vida independente muito difícil. O projeto pretende constituir uma rede alargada de discussão sobre o tema e um espaço de suporte para os cuidadores.
Com o agravamento dos sintomas de demência, os pacientes necessitam de cuidados constantes, fazendo dos cuidadores um elemento fundamental na vida destas pessoas. “Sabemos que a maior parte das pessoas com demência continua a ser apoiada em casa e não em contexto institucional, e, portanto, estes familiares são, de facto, pessoas muitas vezes abnegadas e que de repente transformam as suas vidas para cuidar da pessoa com demência e esquecem-se de cuidar de si próprios”, refere Catarina Alvarez.
A técnica explica que a vida de quem cuida se transforma transversalmente, de tal forma que o próprio pode desenvolver dificuldades na vida social, profissional e económica, mas também na sua saúde física e mental, pelo que é necessário desenvolver uma grande articulação e uma postura colaborativa entre os membros da família e elementos da comunidade, que nem sempre se verifica. Embora haja algumas respostas de alívio institucionalizadas, a ajuda pode também passar por pequenas contribuições: “os intervalos são fundamentais e às vezes um intervalo passa por um café com um amigo ou uma amiga, passa por ir ao cabeleireiro ou àquela consulta médica a que já devíamos ter ido”.
Café ou chá e um bolo acompanham as conversas que se querem informais e acolhedoras. Diagnóstico, intervenção farmacológica, adaptação do domicílio as novas realidades, estratégias para melhorar o bem-estar do cuidador, direitos e aspetos jurídicos associados são alguns dos temas abordados nestas sessões que pretendem partilhar experiências, prestar informação e suporte mútuo: “O que fomos verificando ao longo do tempo é que as pessoas se sentiam confortáveis, sentiam-se à vontade para colocar uma série de questões e dúvidas, sentiam-se também à vontade para partilhar experiências. Servimos sempre um café e um bolo e as pessoas aproveitam esse momento para conversar entre elas e partilhar desafios”.
Catarina Alvarez explica que o projeto não faz acompanhamento técnico, mas pode encaminhar para resposta de outras entidades. “O que temos sempre de contemplar é o caso individual aquela família em particular, aquela pessoa com demência em particular e o cuidador. Que forças têm individualmente e juntos e que vulnerabilidades têm. Há um cuidador que pode precisar mais de um apoio social ou financeiro, outro de uma capacitação ao nível da forma como interage com a pessoa com demência, como comunica com ela e se relaciona. O conhecimento sobre as estratégias que estão a utilizar pode diminuir a sobrecarga”, sublinha.
Cátia Faria, terapeuta ocupacional da Associação Alzheimer Portugal e membro da equipa dinamizadora do Café Memória em Leiria, explica que se pretende dar a conhecer aos pacientes e cuidadores estratégias para conhecerem e gerirem algumas situações, bem como partilhar atitudes que podemos adotar: “As pessoas têm, por exemplo, de estar predispostas e aceitar que vão ter de repetir respostas a perguntas muito repetitivas. É importante os cuidadores saberem o que é a demência.”
A estimulação cognitiva e o exercício físico são outras dimensões trabalhadas. Para isso, o esclarecimento com especialistas, manualidades, arte, ioga, integram também o leque de atividades propostas nestas sessões que, para além dos técnicos, envolvem cerca de 480 voluntários.
Eliminar o estigma
Catarina Alvarez sublinha que a missão dos cafés memória, e da própria Associação Alzheimer Portugal, passa também por alertar a comunidade para esta problemática e chamar a atenção para o facto de as pessoas com demência e os seus cuidadores serem “pessoas como nós”, sublinhando a necessidade de promover uma “postura mais inclusiva, solidária e paciente”.
“O estigma da doença, o estigma do envelhecimento, o próprio estigma associado à demência” constituem para a psicóloga um quadro que torna a mudança uma “tarefa árdua”, pelo que defende uma intervenção que possa incluir os mais jovens, e ações adaptadas a cada idade. Refere que com esse objetivo estão a ser dinamizadas iniciativas pela Associação Alzheimer Portugal que incluem, por exemplo, projetos em escolas e a campanha Amigos na Demência, que pretende incentivar ao “desenvolvimento de pequenas ajudas na comunidade para tornar a vida mais fácil às pessoas com demência e aos seus cuidadores, para que os direitos das pessoas com demência sejam respeitados e se verifique uma verdadeira mudança social em Portugal”.